Meu conto "Um gato chamado Jack" do livro "Reconstruções" ganhou uma ilustração feita por Franciele Bertolazo Alves. Para comemorar, deixo aqui o desenho que ficou maravilhoso e o conto para leitura.
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Ilustração por Franciele Bertolazo Alves |
Jack era um gato
da casa de Joseph, um gato que – como tantos outros – ali chegou e ficou. Foi
acolhido rapidamente por todos da família: Joseph, a esposa e os filhos se
encantaram por ele logo de cara. Ali, o bichano não encontrou resistência nem
dos outros gatos, os sem nomes, que já viviam na casa há mais tempo.
Era um gato
vira-lata, preto com as patinhas brancas, como se calçasse meias, e a pontinha
da sua cauda também era branca, como um pingo de neve. Um gato bonito, que
rapidamente conseguiu destaque entre os outros. Foi o único a ganhar um nome.
Os demais gatos eram chamados por suas características físicas – como o Rajado,
o Branco e o Amarelo – e se esgueiravam pela casa em busca de restos de comida
ou de um cantinho para dormir. Diferentemente de Jack, que volta e meia
aparecia com um rato ou um calango na boca; ele caçava a própria refeição,
coisa que os seus companheiros de casa não faziam.
Jack era mesmo
diferente, ninguém podia negar. Mas, com o tempo, Joseph e sua família
começaram a ter problemas, pois o gato preto de meias brancas, bem, ele
aprontava das suas.
Jack saía para
explorar os quarteirões do bairro e voltava com uma coxa de frango assada ou
com um bom pedaço de bife; um dia ele roubou um franguinho do quintal da
vizinha e o levou para repartir com os outros gatos. Os três filhos de Joseph,
uma menina e dois meninos que brincavam no quintal, não conseguiram salvar o
pobre frango e o viram servir de refeição para os seus animaizinhos de
estimação.
O gato Jack
começou a ficar conhecido por todos no bairro. Até mesmo uma maritaca, ave de
estimação do vizinho da frente de Joseph, o conhecia pelo nome: “Jack, Jack”,
repetia ela ao ver o gato, que continuava a cometer seus pequenos delitos e a
furtar comida nas casas vizinhas. Porém, na casa de Joseph ele não roubava
nada, nem aproveitava as sobras de comida que lhe davam, como se preferisse
deixá-las para os amigos felinos, que pareciam admirá-lo.
Joseph temia
alguma retaliação por parte dos moradores do bairro contra o gato ladrão, nome
pelo qual as pessoas passaram a chamar Jack. A esposa de Joseph, que se apegara
ao bichano como todos ali na casa, preferia chamá-lo de gato caçador.
Ladrão ou
caçador, Joseph resolveu comprar um saco de ração para ver se o gato parava de
importunar os vizinhos. Jack experimentou um pouquinho no primeiro dia, depois
não quis mais. E, para piorar, o plano de Joseph teve efeito contrário. Vocês
vejam como era a ousadia de Jack: ele gostou da ração, mas preferiu, então,
pular os muros e as cercas vizinhas para comer as rações dos gatos e dos
cachorros do bairro. Os cachorros até tentavam apanhá-lo, mas Jack era muito
rápido e esperto, sempre se safava.
Alguns vizinhos
começaram a achar que o nome do gato seria por causa de Jack, o estripador, mas
quem poderia garantir que não era o caso se nem mesmo Joseph, a esposa e os
filhos lembravam por qual razão lhe deram esse título?
— Joseph, você
tem que tomar uma providência – disse o vizinho da frente, que era amigo da
família. – A qualquer hora, vão acabar matando o Jack. Hoje mesmo ele tentou comer
a minha maritaca, sorte que cheguei a tempo. Se fosse outro, teria dado veneno
ao seu gato.
Você tem que
tomar uma providência. Essa frase não saía da cabeça de Joseph, até que decidiu
agir. O homem aproveitou que a esposa e os filhos tinham saído para passear.
Melhor eles não verem o que vou fazer. Chamou o gatinho, como sempre fazia,
para acariciá-lo. Jack não tinha como escapar da armadilha preparada pelo homem
em quem mais confiava. Joseph colocou o gato dentro de um saco de estopa e
chamou o vizinho, que já estava a par do plano, para leva-los em seu carro e
soltarem Jack bem longe dali.
No caminho,
lágrimas caíam dos olhos do bom Joseph. O gato miava assustado, unhava o saco
que o prendia, numa ânsia de escapar, mas era inútil. Na medida em que o tempo
passava, o gato ia se resignando, seu miado ficando mais raro e mais fraco, e o
agito se acabando. Já a dor de Joseph ia aumentando, seus olhos derramavam
lágrimas copiosamente.
— Você não pode
desistir, Joseph, já chegamos até aqui – o vizinho o encorajava. – Com o tempo
tudo passa, você não vai nem se lembrar desse gato.
O carro estava
parado no local escolhido como o novo lar de Jack. Era um bosque que ficava
fora da cidade, próximo a algumas granjas.
— Aqui o Jack
terá tantos franguinhos quanto desejar comer. – O homem sorriu, tentando animar
o dono do gato.
Joseph abriu o
saco de estopa. O gato se balançou, chacoalhando o pelo, e soltou um miado de
alívio por sua liberdade.
— Adeus, Jack. –
Joseph afagou os pelos do gato. Perdão?
Voltou
rapidamente para o carro, tinha pressa de deixar aquele lugar. Enquanto o carro
se afastava, Joseph ainda ouvia os miados do gato que, aos poucos, foi ficando
menos intenso, até que seus ouvidos já não podiam mais captá-los.
Em casa outra
vez.
As crianças e a
esposa de Joseph logo deram pela falta do Jack. Imaginavam que algum vizinho
tivesse dado cabo do gato. De pensarem nessa hipótese, elas choravam. Até os
outros gatos rondavam a casa e a vizinhança com miados tristes, que mais se
pareciam com chamados. Eles chamam pelo amigo, deduziu Joseph, e a expressão
melancólica que trazia em seu semblante o denunciaria caso alguém suspeitasse
dele. Mas todos ali sabiam que Joseph era quem mais gostava do gato preto de
meias brancas. Como eu pude fazer isso com o Jack?
A esposa viu o
marido se embrenhar para o quarto de bagunça e sair de lá empurrando uma
bicicleta velha, há tempos abandonada. Ele encheu os pneus com uma bombinha de
mão, levou a bicicleta para a rua e montou.
— Aonde você
vai, Joseph?
— Eu não
queria... Eu... – O homem não conseguia responder.
— Não me diga
que você soltou o Jack em outro lugar?! – expressou a mulher, desconfiada.
— Pai, você...?
– A filha também quis tomar satisfação.
— O pai soltou o
Jack, mãe? – O menino do meio preferiu questionar a mãe, enquanto o mais novo
soluçava em prantos.
— Prometo
trazê-lo de volta – Joseph finalmente conseguiu se pronunciar.
A mulher
confiava no marido, assim como os filhos confiavam no pai. Os rostos de todos
ali se encheram de esperança no homem sobre a bicicleta.
— Você vai
conseguir! – A esposa o encorajou. As palavras dela serviram também para animar
as crianças, que começaram a sorrir e a gritar:
— O pai vai
buscar o Jack! O pai vai buscar o Jack!
E ele foi.
Já no local em
que havia deixado o gato, Joseph o chamava:
— Jaaack,
Jaaack! – Caminhando por entre o bosque, gritou mais alto e demorado: –
Jaaaaaack... Jaaaaaack... – repetia sem parar.
Como o gato não surgia, Joseph
começou a caminhar beirando as granjas e constantemente repetia o chamado:
— Jaaaaaack...
Jaaaaaack...
E ele veio.
Atravessando a cerca de uma das granjas, tinha a boca cheia de penas o gato
preto de meias brancas.
— Esse é o Jack
que eu conheço — comentou consigo mesmo. — Vou te levar para casa, Jack. — Ele
se abaixou e o gato subiu em seu colo.
Era quase fim de
tarde quando o filho menor de Joseph o avistou vindo de bicicleta com uma mão
no guidão e a outra segurando Jack contra o peito.
— O Jack voltou!
– celebrou.
Assim que o
notou, o gato pulou dos braços do homem e correu de volta para seu lar. A
família toda já o esperava de braços abertos. Jack miava como se dissesse aqui
é o meu lugar. Os outros gatos miavam contentes com o retorno do companheiro. A
maritaca do vizinho, como de costume, repetia: “Jack, Jack”. Foi uma alegria
para todos.
No dia seguinte,
numa manhã de domingo, o menino do meio se levantou cedo, pois queria
aproveitar o dia todo para brincar. Foi quando saiu de casa e vislumbrou algo
estranho. Jack está com uma folha de alface na boca? Levou as mãos aos olhos
para desanuviá-los. Sim, o Jack estava comendo alface.
Joseph, que
havia percebido um barulho estranho no quintal, levantara para ver o que estava
acontecendo. Encon-trou a porta aberta e, ao sair, notou o filho ali,
paralisado, olhando para o gato.
— Caramba! –
exclamou ao ver o que o gato estava fa-zendo. Observou o menino e perguntou: –
Filho, por que você deixou o Jack comer a maritaca do vizinho?
— A maritaca? –
O menino levou a mão aos olhos para desanuviá-los mais uma vez. – Pensei que
fosse alface.
Apesar da
situação desconfortável na qual sabia que seu gato o tinha colocado em relação
ao vizinho, Joseph não conseguiu segurar o riso.
— Alface... –
dizia ele e ria. – Você achou que a maritaca fosse alface... – Correu para
acordar a todos e contar o ocorrido.
Assim como
Joseph, todos acharam engraçado e riram muito, repetindo: “Alface, pensei que
era alface”. Mas, passado o momento de risos, veio à tona o problema. A esposa
de Joseph perguntou ao marido:
— E agora, o que
vamos fazer com o Jack?
Joseph, você tem
que tomar uma providência. As palavras do vizinho voltaram à mente do homem.
Ele sabia que começaria tudo de novo: as caçadas de Jack, as reclamações...
— Ele matou a
maritaca do vizinho – continuou a esposa.
— Eu não posso
me desfazer do Jack... Não conseguiria outra vez... – E, olhando para a mulher,
as crianças e o gato, decidiu: – Eu assumo as consequências. O Jack fica!
A esposa e as
crianças riam felizes pela decisão de Joseph, que pegou o gato no colo e lhe
afagou os pelos macios, fazendo-o ronronar – ali era o seu lugar, eles eram sua
família e Joseph não voltaria atrás na sua decisão.
— Você fica, Jack! –
anunciou o homem, emocionado. – Você fica
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A ilustração é realmente linda! Eu já havia lido esse conto no RL, ele é sem dúvida muito bom!
ResponderExcluirObrigado, Andrea, por sempre estar acompanhando meu trabalho! Fico feliz que gostou! :) Também aprecio muito seus textos.
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